sábado, 30 de abril de 2011

Todo o tempo é de poesia


Todo o tempo é de poesia
Desde a névoa da manhã
à névoa do outro dia.
Desde a quentura do ventre
à frigidez da agonia
Todo o tempo é de poesia
Entre bombas que deflagram.
Corolas que se desdobram.
Corpos que em sangue soçobram.
Vidas qu'a amar se consagram.
Sob a cúpula sombria
das mãos que pedem vingança.
Sob o arco da aliança
da celeste alegoria.
Todo o tempo é de poesia.
Desde a arrumação ao caos
à confusão da harmonia.


António Gedeão



António Gedeão
PASTORAL


"Não há, não,
duas folhas iguais em toda a criação.

Ou nervura a menos, ou célula a mais,
não há, de certeza, duas folhas iguais.

Limbo todas têm,
que é próprio das folhas;
pecíolo algumas;
bainha nem todas.
Umas são fendidas,
crenadas, lobadas,
inteiras, partidas,
singelas, dobradas.
Outras acerosas,
redondas, agudas,
macias, viscosas,
fibrosas, carnudas.
Nas formas presentes,
nos actos distantes,
mesmo semelhantes
são sempre diferentes.

Umas vão e caem no charco cinzento,
e lançam apelos nas ondas que fazem;
outras vão e jazem
sem mais movimento.
Mas outras não jazem,
nem caem, nem gritam,
apenas volitam
nas dobras do vento.

É dessas que eu sou."


António Gedeão
http://www.youtube.com/watch?v=AuFQn_PoUm0


quinta-feira, 28 de abril de 2011

UM POEMA
Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...
Miguel Torga (1907-1995), in Diário XIII

domingo, 24 de abril de 2011

LETRA PARA UM HINO
  
É possível falar sem um nó na garganta
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
  
É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.
  
É possível viver de outro modo. É
possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.
  
Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.
  
Manuel Alegre (1936-), in O canto e as armas


sábado, 16 de abril de 2011

A BORBOLETA
Filha da larva que o inverno hostil
Gelou numa dureza concentrada
Ao aquecer do flavo Sol d'Abril
Surgiu de forma leve e curva alada.
  
Íris que voa, aspiração subtil
Da flor que quis ser ave, e transformada
Libra no ar a pétala gentil,
Asa da cor, paleta iridíada
  
Poisa tão breve que se um sopro a agita
Ergue-se e bambolina num fulgor...
Aflora os lábios d'uma margarita.
  
Abrindo manchas, vai de flor em flor
Flutua, anseia, embala-se e palpita...
Como um bailado trémulo de cor.


Jaime Cortesão (1884-1960), in Poesias II

quarta-feira, 13 de abril de 2011

CUMPLICIDADES - Poesia e Música - 13 de Abril - 21.30 - Leiria

Cumplicidades
 poesia & música em piano e acordeão

Ter tempo, viver a contratempo, fruir a Poesia dos tempos…
20 poetas, deste e de outros tempos, apresentam-se ao som de temas originais,  jazz, clássicos e temas da world music.
Uma narrativa feita de intertextualidades em que a pertinência das temáticas não deixará o público indiferente.

Reymundo concepção, direcção artística, piano e acordeão
Maria Figueiredo selecção e apresentação de textos

Leiria – TE-ATO – sala Jaime Salazar Sampaio
(Rua Pedro Nunes 15 (transversal Arquivo Distrital/Terreiro)
13 Abril – 21.30 h

 

segunda-feira, 4 de abril de 2011

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Amor e mentiras...no dia 1 de Abril


MENTIRAS


Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar pousa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito meu?


Ai, se o sei, meu amor! Em bem distingo
O bom sonho da feroz realidade...
Não palpita d´amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!


Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais
O gelo do teu peito de granito...


Mas finjo-me enganada, meu encanto,
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!


Florbela Espanca (1894-1930), in A Mensageira das Violetas