segunda-feira, 30 de dezembro de 2013















A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A felicidade é uma coisa boa
E tão delicada também
Tem flores e amores
De todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo de bom ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato dela sempre muito bem


A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite, passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Pra que ela acorde alegre com o dia
Oferecendo beijos de amor

Vinicius de Moraes

Creio nas palavras - António Ramos Rosa















Creio nas palavras
transparentes
que pertencem ao vento

ao sal
à latitude pura


Aqui
no meu reduto
entre ramos de ar
entre a cintilante indolência da água
creio no que nos une
em ondas vagas
apaixonadamente lentas

Aqui
eu pertenço
ao centro da nudez
como uma gota de água
ao rés do solo
na sua imediata e nua felicidade

António Ramos Rosa, in "Numa Folha, leve e livre"

sábado, 21 de dezembro de 2013

Natal - Manuel Alegre





















NATAL

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

Manuel Alegre

Ricardo Reis


















O que sentimos, não o que é sentido, 
É o que temos. Claro, o inverno estreita. 
Como à sorte o acolhamos. 
Haja inverno na terra, não na mente. 
E, amor a amor, ou livro a livro, amemos 
Nossa lareira breve.

Ricardo Reis, 8-7-1930
In Poesia , Assírio & Alvim

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Cecília Meireles | No mistério do sem fim...















No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,

e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,

entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta.

Cecília Meireles

Florbela Espanca | Horas rubras











Horas profundas,lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas...

Ouço as olaias rindo desgrenhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes.
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p’las estradas...

Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...

Sou chama e neve branca misteriosa...
E sou talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!

(in Antologia de Poetas Alentejanos)

sábado, 7 de dezembro de 2013






"A morte é inevitável. Quando um homem fez o que considera seu dever para com seu povo e seu país, pode descansar em paz. Acredito ter feito esse esforço, e é por isso, então, que dormirei pela eternidade."

Nelson Mandela

sábado, 30 de novembro de 2013

Diálogos - poesia e música...

A escola cruzou-se com a poesia, no Cine-teatro Marques Duque, em Mértola.
Poesia, música, diálogos, cumplicidades ...
É sempre tão bom partilhar emoções!



                            Feira do Livro de Mértola - novembro 2013

O Buraco da Fechadura - contos com música...

Olhos e ouvidos bem abertos...a história vai começar!


                                  Feira do Livro de Mértola - novembro 2013

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Sophia de Mello Breyner















Tu dormes embalado nos rochedos
E aos meus ouvidos vem falar o vento.
Escuto, busco, chamo e não respondes,
E todo o mundo se tornou fantasma.

Estou fechada, suspensa, prisioneira
Queria voltar para fora, para o dia
Ressurgir, respirar, tornar a ver,
Mas todo o mundo se tornou fantasma.

E a voz do mar encheu o céu e a terra
Uma voz que está cheia e que se quebra
E nunca mais acaba.

Pássaros brancos cortam as janelas,
Anémonas cintilam nos rochedos:
Terror de estar sozinha e de escutar
Com este tempo morto entre os meus dedos.


Sophia de Mello Breyner Andresen, in CORAL (1950)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Esta Gente - Sophia de Mello Breyner


















Esta gente cujo rosto 
Às vezes luminoso 
E outras vezes tosco 

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia"

domingo, 20 de outubro de 2013

Vinícius & Toquinho - Valsa para uma menininha



Nos 100 anos do nascimento do grande poeta Vinícius de Morais, um poema fantástico, com música e voz de Toquinho.



Menininha do meu coração
Eu só quero você
A três palmos do chão
Menininha, não cresça mais não
Fique pequenininha na minha canção
Senhorinha levada
Batendo palminha
Fingindo assustada
Do bicho-papão
Menininha, que graça é você
Uma coisinha assim
Começando a viver
Fique assim, meu amor
Sem crescer
Porque o mundo é ruim, é ruim
E você vai sofrer de repente
Uma desilusão
Porque a vida é somente
Teu bicho-papão
Fique assim, fique assim
Sempre assim
E se lembre de mim
Pelas coisas que eu dei
E também não se esqueça de mim
Quando você souber enfim
De tudo o que eu amei

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Vinicius de Moraes















De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo

Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem

Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.


Vinícius de Moraes

Paisagem | Eugénio de Andrade







PAISAGEM

A névoa que desde manhã fechava
as portas todas ao rio foi-se embora.
A luz é fria: esta é agora
a minha terra, o outono.
Todas as terras são afinal as mesmas
folhas cobrindo a relva, às vezes
cintilando quando o sol rasga a névoa.


Eugénio de Andrade 

sábado, 22 de junho de 2013






Processo 

As palavras mais simples, mais comuns, 
As de trazer por casa e dar de troco, 
Em língua doutro mundo se convertem: 
Basta que, de sol, os olhos do poeta, 
Rasando, as iluminem. 

José Saramago, Os poemas possíveis

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Cantar de Emigração - Adriano Correia de Oliveira

Hoje, como ontem...
Voltamos a ser um país de emigrantes...

Zeca Afonso - Canção do Desterro (Emigrantes)

A Palavra - António Ramos Rosa




A Palavra










Eleva-se entre a espuma, verde e cristalina 
e a alegria aviva-se em redonda ressonância. 
O seu olhar é um sonho porque é um sopro indivisível 
que reconhece e inventa a pluralidade delicada.
Ao longe e ao perto o horizonte treme entre os seus cílios.

Ela encanta-se. Adere, coincide com o ser mesmo
da coisa nomeada. O rosto da terra se renova.
Ela aflui em círculos desagregando, construindo.
Um ouvido desperta no ouvido, uma língua na língua.
Sobre si enrola o anel nupcial do universo.

O gérmen amadurece no seu corpo nascente.
Nas palavras que diz pulsa o desejo do mundo.
Move-se aqui e agora entre contornos vivos.
Ignora, esquece, sabe, vive ao nível do universo.
N
a sua simplicidade terrestre há um ardor soberano.


António Ramos Rosa

sábado, 16 de março de 2013

Casimiro de Brito




Branco no branco, cantou
Bashô. Despes o vestido,
dispo o teu corpo.
A tua sombra na parede
branca. Sorris.
Apagas a luz.
Sabes que a tela da tua pele
me vai iluminar.
Debruças-te no meu peito:
sabes que o teu hálito me vai
acender. Branco
no branco.
Derramados
um no outro. Quem é luz?
Quem é sombra?
A cotovia
começa a cantar.

Casimiro de Brito

quarta-feira, 13 de março de 2013

CONVITE | Recital poético musical 14 março | 18:30 | Lisboa

Diálogos – recital poético musical 
Escola Secundária Fonseca Benevides  Lisboa 
14 março | 18:30 



















Direção artística | piano | acordeão | REYMUNDO
Seleção e apresentação de textos | MARIA FIGUEIREDO 
Público alvo: alunos de secundário | público adulto 
Duração: 70 m


Fazer emergir novas ideias, novos significados, partilhar emoções à volta das palavras e da música. Exercitar novos modos de ver, ler, sentir… Experimentar o prazer da linguagem poética e musical, dando voz a poetas da lusofonia - séculos XVI a XX, ao som do piano e do acordeão.
Um projeto no âmbito da leitura, com base em propostas apresentadas pelos Programas de Português e em que também o público é desafiado a intervir. O recital desenvolve-se como uma narrativa, fruto das intertextualidades, surgindo a música, quer de forma autónoma, quer complementando textos. No final haverá “quadradinhos de poesia” para ler ao deitar, ao levantar, ou nas restantes horas do dia…

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

PARA ATRAVESSAR CONTIGO O DESERTO DO MUNDO - Sophia de Mello Breyner
















Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto,1919 - 2004)

PROMETEU - Joaquim Namorado


        (óleo s/ tela de Mário Dionísio)

Abafai meus gritos com mordaças,
maior será a minha ânsia de gritá-los!

Amarrai meus pulsos com grilhões,
maior será minha ânsia de quebrá-los!

Rasgai a minha carne!
Triturai os meus ossos!

O meu sangue será a minha bandeira
e meus ossos o cimento duma outra humanidade.

Que aqui ninguém se entrega
- isto é vencer ou morrer -
é na vida que se perde
que há mais ânsia de viver!

Joaquim Namorado

Peregrinação - Miguel Torga



Peregrinação














Corro o mundo à procura dum poema
Que perdi não sei quando, nem sei onde.
Chamo por ele, e a voz que me responde
Tem o timbre da minha, desbotado.
Às vezes no mar largo ou no deserto
Parece-me que sim, que o sinto perto
Da inspiração;
Mas sigo afoito em cada direcção
E é o vazio passado
Acrescentado…
Areia movediça ou solidão.
Teimoso lutador, não desanimo
Olho o monte mais alto e subo ao cimo,
A ver se ao pé do céu sou mais feliz.
Mas aí nem sequer ouço o que digo;
O silêncio de Orfeu vem ter comigo
E nega os versos que afinal não fiz.

Miguel Torga